sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Cega é Pouco


                   Em países mais sérios, a imagem da Justiça como uma deusa de olhos vendados representa o ideal de imparcialidade que os tribunais devem almejar em suas decisões, sem que o tratamento jurídico oferecido a uns seja distinto daquele dispensado a outros.

                   No caso brasileiro, a faixa que cobre os olhos da Justiça apenas serve, no mais das vezes, para lembrar que ela não enxerga --e ponto. A afirmação de que todos são iguais perante a lei não passa de expressão retórica, ainda sem correspondência na vida prática.

                   Presente em todos os momentos do processo judicial, a desigualdade mostra-se particularmente cruel na última fase das ações criminais --a execução penal, quando não cabem mais recursos e a sentença deve ser aplicada ao condenado.

                   Criminosos sem condições de pagar bom advogado são com frequência "esquecidos" nas penitenciárias. Deixam de aproveitar benefícios a que teriam direito --como mudança de regime fechado para semiaberto, ou livramento condicional-- e ficam na cadeia depois de já terem cumprido a pena.

                   Esse tipo de injustiça é impensável no caso dos réus do mensalão. Com tantos olhares dirigidos a esse julgamento histórico, é seguro afirmar que ninguém ficará na prisão um único dia além da conta.

                   A realidade é outra no Brasil mais profundo. Desde 2008, os mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça identificaram --e soltaram-- cerca de 45 mil pessoas que não deveriam estar presas; mais de 80 mil benefícios foram concedidos.

                   Descobriu-se, no Ceará, um caso repugnante. Um senhor de cerca de 80 anos de idade deveria ter sido solto em 1989, mas vinha sendo mantido até agora no instituto psiquiátrico para criminosos. Como a Justiça não viu isso antes?

                   Na mesma semana, soube-se que o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, condenado por matar sua ex-namorada e preso há dois anos e três meses, recebeu o direito de deixar a cadeia durante o dia. Réu confesso de crime cometido em agosto de 2000, ficou quase todo esse tempo solto.

                   A defesa de Pimenta Neves usou a lei a seu favor, mas ela não está igualmente à disposição de todos. É urgente corrigir essa distorção.


                   Vem do Paraná uma boa sugestão para isso. Um sistema de informática que integra os dados da administração penitenciária com os do Judiciário permitiu ao Estado reduzir em 67% a superlotação carcerária nos últimos três anos. A ferramenta de gestão ajuda os magistrados a controlar o tempo de prisão de cada condenado.


                      Ao que tudo indica, a experiência merece ser replicada. A Justiça não pode continuar de olhos fechados para tamanha desigualdade.

 


Editorial da Folha de S. Paulo- página A 2 – Opinião – Sábado 07/09/13

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