Introdução
A instrumentalização do direito penal como forma de resolução de conflitos sociais é um dos temas mais debatidos nas últimas décadas, em razão desta instrumentalização, o Estado responde o anseio social inchando a legislação com muitas tipificações legais que não protegem materialmente os bens jurídicos tidos como imprescindíveis a vivência humana.
Na contramão desta realidade os doutrinadores buscam arcabouço teórico que fundamente justamente o oposto, de que o direito penal não deve ser instrumento para busca de soluções de celeumas sociais.
Nesta senda, mais precisamente no uso de entorpecentes, iremos analisar se é cabível a aplicação do princípio da insignificância, quando comprovado que o bem jurídico tutelado não foi atingido, tendo em vista a ínfima quantidade de entorpecentes.
A Aplicação do Princípio da Insignificância para o Porte de Entorpecentes.
O grande problema de tornar o direito penal como o “salvador da pátria”, é que o legislador desvia o foco dos bens jurídicos fundamentais e começa a legislar sem critério, tutelando bens jurídicos por meio do direito penal, mesmo que outras searas do direito sejam suficientes para proteção dele.
Primeiro nos situando do que vem a ser o princípio da insignificância, nos perfazemos da lição do festejado Capez:
“Se a finalidade do tipo penal e tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto, de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos.” Capez, Fernando, Curso de Direito Penal, volume I, parte geral, 15º edição, Saraiva, 2011, pág.29.
Preparando terreno para melhor elucidarmos o tema, que o ilustre Paulo Queiroz ensina:
“Segundo o princípio de lesividade (nullum crimen sine iniuria), só podem ser consideradas criminosas condutas lesivas de bem jurídico alheio (por isso também conhecido como princípio de proteção de bens jurídicos), público ou particular, entendendo-se como tal os pressupostos essenciais e instrumentais de que a pessoa necessita para a sua autorrealização na vida social (Muñoz Conde), não podendo haver a criminalização de atos que não ofendam seriamente bem jurídico ou que representem apenas má disposição de interesse próprio, como próprio, como automutilação, suicídio tentado, dano à coisa própria etc. Numa palavra de acordo com o princípio da lesividade, o direito penal não pode se ocupar de comportamentos que impliquem autolesão. Isto é, que não transcendam a pessoa do próprio lesionado, por mais que lamentemos tais decisões (auto-lesivas). Queiroz, Paulo, Curso de Direito Penal-Parte Geral, 11º edição, Revisada, Ampliada e Atualizada, Editora JusPODIVM, pág.95.
Complementando este raciocínio o renomado Ariel Dotti, obtempera:
“ A defesa do princípio da intervenção mínima, que identifica o chamado Direito Penal mínimo, constitui uma das expressões mais vigorosas do movimento crítico que se propõe a discutir e avaliar a crise do sistema positivo, depurando-o da insegurança jurídica e da ineficácia a que conduz o fenômeno da hipercriminalização. Pode-se afirmar que nas duas últimas décadas um dos temas de maior ressonância no panorama crítico do sistema penal tem sido a hiperinflação legislativa fazendo com que se reduza intensamente o poder coercitivo do Direito Penal em face da rotineira criação de tipos que não satisfazem as exigências de proteção dos bens jurídicos fundamentais. Tem sido uma constante o recurso às leis penais para atender interesses conjunturais do Estado ou de grupos de pressão.” Dotti, Rene Ariel, Curso de Direito Penal, 5º ed.; ver. Atual e Ampl.; São Paulo, Editora dos Tribunais, 2013, pág. 118.
Com base no Princípio da Lesividade não poderá haver a criminalização de atos que não ofendam seriamente o bem jurídico, sendo justamente este argumento o antídoto da válvula propulsora da hipercriminalização (Dotti).
Justamente isto que apregoa o ideal trazido pelos defensores do Direito Penal mínimo, que reza que somente após o esgotamento das demais áreas do Direito é que deveria ser utilizado o Direito Penal.
Na temática do debate, mais precisamente no caso da insignificância do porte de entorpecentes para uso, a doutrina não se silencia acerca do tema:
“Acreditamos correta a adoção do princípio da insignificância, pois, se a quantidade não é suficiente a causar perigo à saúde pública, a punição se torna irracional e desproporcional, uma vez que apenas condutas incapazes de gerar perigo ou dano para bens jurídicos alheios podem ser punidas em um Estado Democrático de Direito, que aceita a culpabilidade como limite para a punição. Outro raciocínio, em nossa opinião, significa punir o pecado, o que já não tem cabimento em um Estado laico, ou sancionar o simples descumprimento da norma, o que não corresponde à estrutura dogmática do atual Direito Penal brasileiro, que sempre vincula a punição à lesão ou a exposição a perigo do bem jurídico.” Junqueira, Gustavo Octaviano Diniz, Legislação Penal Especial, volume I, 5º edição, São Paulo, Premier Máxima, 2008, págs, 239/240.
Concluo, pela total possibilidade de aplicabilidade do princípio da insignificância no porte de entorpecentes para uso, desde que o causuístico indique que a ínfima quantidade de entorpecente que o indivíduo porta, não é suficiente para atingir o bem jurídico tutelado, tal qual a saúde pública.
Julio Dias
Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal- Escola Paulista de Direito. (São Paulo) Advogado Criminal na cidade de Marília/SP.
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