O cérebro é, por definição, plástico: maleável, moldável ao longo da vida graças à propriedade fundamental dos neurônios de se reorganizar conforme sua própria atividade.
Essa plasticidade, sinônimo de potencial de aprendizado, é máxima no começo da vida, e diminui ao longo dos anos —o que nos torna cada vez nós mesmos, melhores e mais especializados naquilo que fazemos.
Por um lado, portanto, a perda de plasticidade é desejável. É ela que "fixa" a sua língua materna, os circuitos que você usa para mover os olhos em conjunto formando uma imagem só, os outros que lhe permitem andar de bicicleta, sem nunca desaprender. Sistemas diferentes amadurecem em idades diferentes, mas vários são "fixados" no lugar conforme astrócitos formam uma capa açucarada ao redor dos neurônios, que, como um verniz, protege a obra de modificações futuras.
A capa é a malha perineuronal, assunto de estudo de neurocientistas que suspeitam que, se por um lado ela é útil ao fixar o aprendizado, por outro ela é um dos grandes empecilhos à reorganização do sistema nervoso em caso de catástrofe —por exemplo, quando há uma lesão da medula espinal por queda, acidente de carro ou ferimento à bala.
A malha perineuronal é formada por proteoglicanas, moléculas grandes em forma de escova de lavar copos cujo eixo central (o arame) é uma proteína, e as cerdas da escova são açúcares presos à proteína. Várias proteoglicanas, por sua vez, se ligam a proteínas presentes entre as células, como escovas de lavar copos penduradas em um varal —e assim cada neurônio tem seu corpo central devidamente "encapado" e protegido por uma malha de varais.
Com tamanha proteção, nem que quisesse muito um neurônio interrompido por uma lesão conseguiria crescer de volta e se reconectar ao seu alvo encapado.
Pesquisadores como Jerry Silver, da Case Western Reserve University, em Cleveland, nos EUA, resolveram então experimentar remover a capa para promover regeneração. Silver e seus alunos demonstraram recentemente que, com injeções de enzimas que comem a capa de proteoglicanas e tempo o bastante, camundongos com lesão completa de uma metade da medula espinal tem regeneração suficiente das fibras restantes para lhes permitir voltar a andar.
Claro, decidir injetar no corpo enzimas que destroem proteoglicanas não é trivial; essas, afinal, também são a essência das cartilagens do corpo. Mas tais injeções talvez se mostrem a melhor maneira de literalmente abrir caminho para a regeneração do sistema nervoso.
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