Artigo 459 do novo Código de Processo
Civil acaba com o telefone sem fio
O novo Código de Processo Civil (CPC) trouxe profunda alteração na
dinâmica das audiências de instrução e julgamento, que exigirá dos advogados
muita dedicação e treinamento para a adaptação à nova norma.
No sistema adotado pelo Código de 1.973, o advogado pergunta ao juiz,
que repergunta à testemunha, que responde ao juiz, que dita a resposta ao
escrevente, que, por sua vez, reduz a termo a resposta. Depois de tantos anos
atuando em audiências sob esse sistema, os operadores do Direito acabaram se
acostumando. Mas apresentando esse fluxograma de atividades dessa forma seca,
verifica-se quão anacrônico é o modelo que vinha sendo adotado. Frequentemente
a resposta da testemunha é totalmente diversa daquela que foi registrada na ata
de audiência, tal como a brincadeira do telefone sem fio, que há anos diverte
nossas crianças.
No novo Código tudo vai ser diferente. De acordo com o artigo 459, as
perguntas serão formuladas diretamente pelo advogado à testemunha e não mais
por intermédio do juiz. O papel do juiz passa a ser fundamental nesse novo
modelo, pois deverá indeferir perguntas que puderem induzir às respostas que
não tiverem relação com as questões objeto da atividade probatória, ou que
importarem repetição de outra pergunta já respondida. E, para a defesa do
contraditório, o Código determina que as perguntas indeferidas pelo juiz
deverão ser transcritas no termo de audiência, se assim o advogado requerer.
No começo, haverá embate entre juízes e advogados. Certamente, haverá um
número maior de perguntas indeferidas, algumas com razão, outras não. A
alteração de regras tão utilizadas no dia a dia fará com que, no início, juízes
rejeitem o modo de inquirir dos advogados. Da mesma forma, os advogados deverão
controlar o ímpeto de induzir a testemunha em uma resposta, ou de repetir
perguntas disfarçadas em novas perguntas, para obter resposta diferente da
anterior.
Situação semelhante ocorreu no Brasil quando a arbitragem começou a se
desenvolver no país, porque a inquirição de testemunha se dá de forma direta, sem
a intermediação dos árbitros. Há, tal como no novo CPC, o controle das
perguntas pelos árbitros, mas as perguntas são feitas pelos advogados
diretamente às testemunhas.
No começo da arbitragem brasileira era curioso ver a dificuldade que os
advogados tinham para formular perguntas diretamente. Os advogados tiveram que
se preparar para formular as perguntas de modo muito mais dinâmico, afinal, não
há longo tempo de espera entre a resposta e a transcrição na ata. É tudo
instantâneo, imediato. E o raciocínio do advogado precisa estar afiado para
aproveitar cada detalhe da resposta da testemunha já na pergunta seguinte.
Roteiros com perguntas caíram em desuso, pois isso engessava a atuação do
advogado.
O advogado que inquire diretamente precisa treinar previamente a forma
mais adequada para perguntar determinado assunto, ter em mente os pontos que
precisam ser provados, mas não pode estar preso a um roteiro ou a perguntas
escritas. É fundamental que o advogado esteja livre para improvisar de forma
rápida e dinâmica, para que a testemunha não tenha tempo para pensar na
estratégia do advogado e simplesmente dizer a verdade.
Na inquirição
direta pelo advogado, os americanos são os craques. Desenvolveram técnicas
sofisticadas para proceder ao cross examination. As universidades
americanas oferecem no curso de graduação matérias destinadas a treinar os
futuros litigators a inquirirem suas testemunhas. As
faculdades brasileiras precisarão fazer o mesmo. Os alunos precisarão ser
treinados a realizar uma boa inquirição.
Algumas técnicas para inquirição de testemunhas podem ser replicadas
pelos advogados brasileiros. A lição básica, por exemplo, diz que quando o
advogado não souber o que a testemunha responderá, deve fazer perguntas
fechadas, ou seja, que admitam apenas respostas objetivas. Por exemplo: “o Sr.
estava dirigindo o veículo no momento do acidente? O Sr. confirma que no
momento do acidente chovia forte?”
Por outro lado, perguntas abertas nunca devem ser feitas quando não se
sabe o que a testemunha dirá. No exemplo acima, perguntas abertas seriam: Como
foi o acidente? Quais as causas do acidente? Por que o Sr. não parou para
prestar socorro?
Aliás, esse exemplo
foi objeto de uma aula do ator Robert Duval, no filme “Class Action”, em
que ele ensinava seus alunos que nunca se deve perguntar a uma testemunha o
porquê de alguma situação, quando não se conhece previamente a resposta. No
filme, o advogado vivido por John Travolta, no final da inquirição, pergunta à
testemunha por que ela não havia abandonado a residência se sabia que a terra
estava contaminada. Seguiu-se um comovente relato da história da família da
depoente e dos vínculos que tinha com aquele imóvel, deixando o júri emocionado
e Robert Duval, que assistia ao julgamento, contrariado com o erro básico de John
Travolta. A cena se tornou um clássico para os amantes de filmes de julgamento,
e um exemplo para os advogados que se dedicam ao contencioso.
Vê-se, pois, que a alteração de um sistema de colheita de provas que
está tão arraigado à conduta dos advogados de contencioso, será um grande
desafio para todos nós, mas também uma excelente oportunidade para o
aprendizado de técnicas para inquirição direta de testemunhas.
Fonte: Revista Consultor
Jurídico, 20/03 2015
Matéria de responsabilidade do
Advogado Flávio Pereira Lima
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