Fernando e Alice são casados, não têm filhos nem pais e não querem deixar seus bens para os parentes mais distantes que estão de olho na herança.
João e Ana querem destinar uma parte maior dos bens a um dos filhos. Raquel quer deixar bens para uma amiga que não faz parte da família.
Deixar um testamento pode ser uma solução, mas todos querem cuidar da sucessão patrimonial em vida, deixando clara a sua vontade.
Ciente de que doar parte do patrimônio pode resolver demandas como essas, conversei com a advogada Luciana Pantaroto para saber mais sobre o assunto.
Antes de doar alguma coisa, saiba que o Código Civil estabelece dois limites. O primeiro é que o doador não pode doar todos os bens em vida, deixando de proteger sua subsistência.
O segundo é que, havendo herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge), metade do patrimônio a eles pertence. A outra metade é a parte disponível e pode ser doada.
Outro ponto importante: a doação de pais para filhos, ou de um cônjuge para o outro, é considerada adiantamento da herança. Ou seja, quando o doador vier a morrer, o donatário (a pessoa que recebeu a doação) deverá declarar no inventário que já recebeu parte de sua herança.
Assim, essa doação será considerada no momento da partilha, em que serão igualados os quinhões a serem recebidos por cada herdeiro.
Se o doador quiser que um dos herdeiros receba um quinhão maior do que os outros, deve deixar claro que essa doação para um filho ou para o cônjuge não seja considerada como adiantamento da herança.
O instrumento de doação, ou em testamento, deve esclarecer que aquela doação saiu da parte disponível de seu patrimônio e não deve ser levada à colação, que permite discriminar o que foi e o que não foi adiantamento da legítima.
Também é importante saber que ao fazer uma doação o doador pode fazer exigências ou determinar limites.
O documento de doação poderá, por exemplo:
1) determinar condições, termos ou encargos para que o donatário receba ou não receba a doação, desde que sejam razoáveis. Pode exigir, por exemplo, que o filho tenha concluído o ensino superior;
2) estabelecer cláusulas restritivas, temporárias ou vitalícias, de inalienabilidade (o donatário não pode vender, dispor, penhorar ou permutar, o bem recebido), impenhorabilidade (o bem não pode ser penhorado) e incomunicabilidade (o bem não se comunicará com o patrimônio do cônjuge do donatário);
3) estabelecer reserva de usufruto para o doador. Nesse caso, o direito à propriedade do bem se desmembra em dois: o donatário (o nu-proprietário) fica com a posse indireta e a expectativa de adquirir a propriedade plena do bem no futuro, e o doador (usufrutuário) fica com o direito temporário de uso e gozo do bem.
Por exemplo, o pai doa um imóvel ao seu filho, com reserva de usufruto vitalício, ou seja, o pai poderá viver no imóvel ou alugá-lo até o fim de sua vida.
Quando o pai vier a morrer, extingue-se o usufruto, e o filho terá a propriedade plena do imóvel, podendo morar nele, alugá-lo ou vendê-lo, de acordo com sua vontade;
4) conter uma cláusula de reversão: caso o donatário venha a morrer primeiro, o bem doado retorna ao patrimônio do doador. Se o donatário morrer antes do doador, o bem não será destinado aos seus herdeiros, mas retornará ao patrimônio do doador, que poderá mantê-lo em sua propriedade, vendê-lo ou até mesmo doá-lo a outra pessoa.
A doação em vida pode reduzir os custos do inventário. Quem tem herdeiros necessários precisa deixar claro que a doação feita a eles não é adiantamento da herança e, portanto, não deve ser incluída no inventário. Essa medida reduz as custas do inventário e honorários advocatícios.
Antecipar a transmissão por meio da doação também permite evitar possível aumento da tributação sobre as doações e heranças. Atualmente, o único imposto devido (pelo donatário) é o Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação (ITCMD). Cada Estado define legislação e alíquota, limitada a 8%. Em São Paulo, (ainda) é de 4%.
Antes de praticar o generoso ato de doar seus bens, certifique-se de manter patrimônio suficiente para sua sobrevivência. Proteja a si mesmo antes de abrir mão de seus bens.
Fonte: Folha de São Paulo - Márcia Dessen - É planejadora financeira pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer com Meu Dinheiro'
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