Pode
parecer enredo de novela ou um drama do cinema italiano, mas quantas vezes já
não ouvimos a clássica frase do pai discutindo com o filho e, de repente, a
ameaça: “Vou te deserdar”. Os filhos podem respirar aliviados se souberem que,
na maioria dos casos, a ameaça paterna não passa de uma manifestação de sua
ira, sem maiores consequências legais.
Agora
relaxe e entenda: a lei brasileira exige que metade dos bens compreendidos pela
herança sejam reservados aos herdeiros necessários do falecido, ou seja, os
descendentes (filhos, netos e bisnetos), na falta desses, os ascendentes (pais,
avós e bisavós) e o cônjuge. Para que haja a deserdação – isto é, a exclusão de
um ou mais herdeiros necessários por meio de testamento – é preciso que existam
motivos extremamente graves.
Um
mero desentendimento entre pai e filho não se inclui entre esses motivos. Da
mesma forma, a oposição paterna às escolhas do filho, no que diz respeito aos
seus relacionamentos ou carreira, por exemplo, também não justifica a
deserdação.
Por
motivos graves entende-se, entre outros, o homicídio intencional ou a tentativa
de homicídio (cometidos pelo herdeiro contra o autor da herança, seu cônjuge,
pais ou filhos); o ataque ofensivo à honra, à dignidade, à fama, à reputação da
pessoa, deve ser de tal gravidade que torne intolerável o convívio entre o
lesado e o injuriado; agressões e abandono– o filho que deixar o pai
desamparado durante enfermidade ou doença mental, poderá perder o direito à sua
herança, e vice-versa. Quer dizer, o pai que desamparar o filho também poderá
vir a perder o direito sobre uma eventual herança que esse filho venha a
deixar.
O
que talvez você desconheça é que a deserdação não é automática. Ela deve ser
anunciada em testamento, com a obrigatória apresentação dos motivos. Após a
abertura do testamento, os demais herdeiros têm um prazo de quatro anos para
ingressar com uma ação judicial pedindo que a pessoa cuja deserdação é
solicitada seja excluída da herança. Caberá a eles apresentar as provas
necessárias para justificar a medida. Naturalmente, o acusado terá sua chance
de defender-se das alegações. Somente após a expedição da sentença judicial é
que a deserdação será consumada. Ou não. Afinal, o juiz pode entender que as
razões apresentadas não são válidas.
Para
excluir alguém que não seja herdeiro necessário, como um irmão, um tio ou outro
parente, não é necessário entrar na justiça nem apresentar motivos. Basta não
incluí-lo no testamento. Assim, se não ficar comprovada a causa alegada para a
deserdação, o herdeiro em questão assume, e em definitivo, a posse e o domínio
dos bens da herança que normalmente lhe estavam destinados, naquilo que
juridicamente denominamos de vocação legítima.
Outra
forma de privar um herdeiro de seu direito à herança – seja ele herdeiro
necessário ou não – é a indignidade. Os motivos são praticamente os mesmos. A
diferença é que esse tipo de exclusão não é feito por meio de testamento, mas
apenas por ação judicial movida pelos demais herdeiros (ou, em alguns casos,
pelo Ministério Público) após o falecimento do autor da herança.
Exemplo
de exclusão por indignidade é o caso de Suzane Von Richtofen, acusada de matar
barbaramente os pais com a ajuda do namorado e de outro cúmplice. Suzane, por
sinal, teve sua exclusão confirmada em julgamento no processo sucessório que
seu irmão, o outro único herdeiro, ajuizou, resultando no reconhecimento da
exclusão da irmã, por indignidade, como era esperado. Se ela não tivesse irmão,
a ação poderia ser proposta por pais, avós ou, na inexistência destes, por
outros parentes e herdeiros das vítimas. Se não houver outros parentes, o
Ministério Público pode propor a ação.
Outro
aspecto que pode causar estranheza é que a reconciliação do testador com o
herdeiro não significa perdão. Ocorre que a última vontade do testador é aquela
constante do testamento e assim, ela deve ser cumprida. Dessa forma, caso o
próprio testador não revogue a cláusula do testamento que afasta o ofensor,
agora perdoado, o simples reatar da amizade, das relações sociais ou familiares
não tem o poder de deduzir que se deu a revogação do ato expresso no
testamento. Assim, revogar expressamente a clausula de deserdação, nesse caso,
é ato obrigatório.
É
preciso ainda lembrar que, se a exclusão for legalmente efetivada, seja por
indignidade, seja por deserdação, a parte da herança que caberia ao excluído
irá para os descendentes dele (filhos, netos ou bisnetos). O principal efeito
da deserdação é a privação de toda a parte da herança que caberia aquele que
foi deserdado. Como é uma sanção, um castigo de caráter absolutamente pessoal,
não teria cabimento que os descendentes daquele que foi punido sejam afetados.
Somente se o excluído não tiver descendente é que sua parte poderá ser dividida
entre os demais herdeiros.
Fonte:Revista Consultor Jurídico, 21/04/15 –
Matéria da Advogada Ivone Zeger especialista em Direito de
Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e
autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família
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