sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Extinção do Crédito Consignado em razão do falecimento do mutuário


            Com o falecimento de um ente querido, surgem diversas dúvidas acerca do que fazer, quais dívidas do falecido devem efetivamente ser pagas, quais providências devem ser tomadas em um inventário, dentre outras preocupações.
            No que diz respeito às dívidas do de cujus, Código Civil em seu artigo 1.792 dispõe que o herdeiro não responde por encargos superiores ao valor da herança.
            E ainda, o Artigo 1.997 do mesmo diploma estabelece que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, sendo que, após a realização da partilha, os herdeiros somente respondem até o limite herdado.
          A um primeiro olhar, todas as dívidas do falecido seriam exequíveis, até o limite da herança, não respondendo os herdeiros pelos valores que excederem a universalidade de bens.
      Ocorre que nem todas as dívidas do falecido são beneficiadas pelo supramencionado artigo.
Trataremos aqui, em especial, sobre o Crédito Consignado, cujo pagamento é realizado mediante desconto direto na folha de pagamento e que não possui nenhum outro tipo de garantia contratual.
             Tais contratos são firmados, comumente entre instituições financeiras, denominadas de “Consignatárias”, e o particular, denominado “Consignante”, no qual este autoriza o seu empregador a descontar o pagamento do empréstimo diretamente da sua folha salarial, repassando os valores ao banco, até a total quitação da dívida.
     Vale ressaltar que estamos diante de uma relação evidentemente consumerista, na qual o Consignatário é o fornecedor e o Consignante é o consumidor.
           Ocorre que a matéria está regulada também pela legislação especial pertinente ao crédito consignado, quais sejam a Lei 10.820/2003 e a Lei 1.046/1950.
       A Lei 10.820/2003 regulamenta a autorização para o desconto em folha de pagamento, dentre outras providências, sendo, porém, omissa sobre as consequências do falecimento do “consignante”.
              Já o disposto no Artigo 16 da Lei 1.046/50 estabelece que “Ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha”.
              Como se vê, o referido dispositivo é taxativo ao dispor que a dívida deve ser extinta, não sendo possível assim a realização de qualquer tipo de cobrança.
             E não se diga que este dispositivo legal poderia estar revogado a Lei 10.820/03 não há revoga expressamente, nem possui qualquer dispositivo equivalente.
            A propósito, o E. TJMG já decidiu, no julgamento da Apelação Cível de nº 1.0145.09.508364-1/001, a Lei 1.046/50 se sobrepõe ao disposto no Código Civil em função da invocação do Princípio da Especialidade.
                Assim, sendo a Lei 1.046/50 aplicável até os dias de hoje, verifica-se expressamente que a dívida do consignante será extinta quando do seu falecimento, desde que a consignação em folha de pagamento seja a única garantia contratual.
                Trata-se portanto de um direito potestativo dos herdeiros do “consignante” e não uma mera faculdade dada à instituição financeira.
               Ocorre, porém, que, por ser uma legislação muito antiga e pouco divulgada, muitas pessoas vem sendo prejudicadas pelas instituições financeiras, que, mesmo tendo conhecimento da aplicabilidade do Art. 16 da Lei 1.046/50, insistem em cobrar tais dívidas dos herdeiros.
               Não se digne dizer, ainda, que as Instituições Financeiras realizam a cobrança dessas dívidas inexigíveis em detrimento do desconhecimento da lei, de vez que conforme estabelece o Artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ninguém pode se escusar de tal cumprimento, sob o argumento de desconhecimento do texto legal.
           Um exemplo recente sobre a aplicação do Art. 16 da Lei 1.046/50 se deu por ocasião do julgamento da Apelação Cível de nº 1.0518.10.014159-8/001 no qual o E. TJMG extinguiu a dívida referente ao contrato de crédito consignado em razão do falecimento do mutuário, estabelecendo à instituição financeira o pagamento de astreintes caso houvesse recusa no cumprimento da obrigação.
        Assim, por desconhecimento da lei, percebe-se que diversas pessoas são vítimas de cobranças de dívidas inexigíveis, em razão do comportamento abusivo das instituições financeiras.
             Ressalta-se finalmente que a Lei 1.046/50 em vigor desde 2 de janeiro de 1950, merece uma maior publicidade, de forma a assegurar os direitos dos cidadãos frente aos incalculáveis abusos praticados pelas instituições financeiras.
              Diante disso, os herdeiros devem, em tais casos, procurar as instituições financeiras para obter o cancelamento da dívida contraída pelo consignante falecido e, caso não obtenham êxito, devem recorrer ao Poder Judiciário para obter o reconhecimento do direito à extinção do crédito consignado.
                     Recomenda-se ainda, para aquelas que tenham pago empréstimos consignados contraídos por entes queridos já falecidos, que ajuízem ações de cobrança dos valores pagos indevidamente, hipótese em que a referida restituição deve se dar em dobro, conforme autorizado pelo artigo 42parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor.


Fonte: JusBrasil- Newsletter – 17/09/14-  Publicado por Lucas Sá Ribeiro de Oliveira

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