"A Carta Magna consagrou ao advogado um
caráter
essencial na dinâmica judiciária"
(Foto: Eugenio Novaes -
CFOAB)
Confira o artigo
do diretor-tesoureiro da OAB Nacional, Antônio Oneildo Ferreira, sobre a
atuação do advogado em nome do cidadão, publicado na edição desta quinta-feira
(18) na revista Consultor Jurídico.
A Constituição Federal de
1988 estabeleceu em seu artigo 133 que “o advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei”, reconhecendo o seu exercício como
fundamental para a prestação jurisdicional.
A Carta Magna consagrou ao
advogado um caráter essencial na dinâmica judiciária, sendo ele o elo entre o
cidadão e o efetivo acesso à justiça, com base nos fundamentos constitucionais
do direito de defesa, do contraditório e do devido processo legal[1].
Ao postular em nome do
cidadão, o advogado não exerce apenas uma atividade profissional. A atuação de
forma independente e desvinculada dos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário tem o nobre papel de contribuir com a manutenção e fortalecimento do
Estado Democrático de Direito. Ensina o professor José Afonso da Silva que “a
advocacia não é apenas uma profissão, é também um munus, é a única habilitação
profissional que constitui pressuposto essencial à formação de um dos Poderes
do Estado: o Poder Judiciário”[2].
Nessa esteira, o Estatuto da
Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/1994) reforça a
indispensabilidade do advogado e a função social que exerce, conforme previsão
do artigo 2º, caput, e parágrafos 1º e 2º, que afirmam:
Art. 2º. O
advogado é indispensável à administração da Justiça.
§ 1º. No seu
ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º. No processo
judicial, o advogado contribui na postulação de decisão favorável ao seu
constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus
público.
Foi atribuído ao exercício
da advocacia um caráter de serviço público, mesmo quando exercido em seu
ministério privado. Significa dizer que a atividade prestada pelo advogado não
interessa de forma restrita às partes de um determinado processo ou
procedimento. O seu alcance é muito maior e atinge toda a sociedade. Nas
palavras de Paulo Lôbo, “o advogado realiza a função social quando concretiza a
aplicação do direito (e não apenas da lei) ou quando obtém a prestação
jurisdicional e quando, mercê de seu saber especializado, participa da
construção da justiça social”[3].
O advogado, ao extrapolar
seus interesses profissionais e particulares, postulando perante o Judiciário
em nome do cidadão, está investido de função pública, uma vez que “é defensor
do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da
Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à
elevada função social que exerce”, conforme preceitua o artigo 2º do Código de
Ética e Disciplina da OAB. Conforme esclarece Ruy de Azevedo Sodré:
“O advogado exerce função
social, pois ele atende a uma exigência da sociedade. Basta que se considere o
seguinte: sem liberdade, não há advocacia. Sem a intervenção do advogado, não
há justiça, sem justiça não há ordenamento jurídico e sem este não há condições
de vida para a pessoa humana. Logo, a atuação do advogado é condição
imprescritível para que funcione a justiça. Não resta, pois, a menor dúvida de
que o advogado exerce função social”[4].
Dessa forma, o exercício da
advocacia é pautado pela busca da concretização dos interesses públicos, ou
seja, de toda a coletividade, visando garantir o acesso à justiça em seu
sentido mais amplo, e não restrita ao judiciário. Eis a função social da
advocacia, “a sua mais importante e dignificante característica”[5].
E para bem cumprir o
importante papel que lhe foi dado constitucionalmente, o advogado deve exercer
com liberdade e igualdade a sua função social. Importa dizer que inexiste uma
hierarquia ou gradação entre as diversas carreiras jurídicas, conforme assegura
o artigo 6º do Estatuto da Advocacia e da OAB: “Não há hierarquia nem
subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público,
devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. Nesse sentido
a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO - ADVOGADO -
DIREITO DE ACESSO A REPARTIÇÕES PUBLICAS - (LEI 4215 - ART. 89, VI, C). A
advocacia é serviço público, igual aos demais, prestados pelo estado. O
advogado não é mero defensor de interesses privados. Tampouco, é auxiliar do
juiz. Sua atividade, como "particular em colaboração com o Estado" é
livre de qualquer vínculo de subordinação para com Magistrados e agentes do
Ministério Público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas
(art.89, VI, "C" da Lei n. 4215/63) pode ser exercido em qualquer
horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A
circunstância de se encontrar no recinto da repartição no horário de expediente
ou fora dele - basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao
advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o juiz
vedar ou dificultar o atendimento de advogado, em horário reservado a
expediente interno. Recurso provido. Segurança concedida.” (RMS 1.275/RJ, Rel.
Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 05/02/1992, DJ
23/03/1992, p. 3429) – grifo nosso.
A advocacia está incluída no
Capítulo IV do Título IV da Constituição Federal, que cuida das funções
essenciais à justiça, ao lado do Ministério Público, da Advocacia Pública e da
Defensoria Pública. No entendimento de Eduardo C. B. Bittar:
“Se a advocacia é
imprescindível para o exercício da jurisdição e para a ministração e efetivação
da justiça, o mesmo há de se dizer quanto às carreiras públicas da advocacia. É
nesse ponto que cabe seja ressaltada a atuação de órgãos públicos que, por sua
essencialidade no que tange à prestação jurisdicional e ao equilíbrio entre os
poderes do Estado, devem conviver harmônica e conjuntamente para a efetivação
do escopo jurídico-democrático”[6].
As instituições previstas
nas funções essenciais à justiça, que interagem de forma conjunta e harmônica,
são o meio efetivo de todo processo de concretização da justiça e exercem, de
forma substancial, atividades privativas da advocacia. E aqui, cabe destacar
especificamente o exercício da advocacia pública como espécie do gênero da
advocacia.
Estabelece o artigo 3º,
parágrafo 1º do Estatuto da Advocacia e da OAB:
Art. 3º, § 1º.
Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta Lei, além do
regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União,
da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias
e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das
respectivas entidades de administração direta e fundacional.
Entende-se por advocacia
pública a atuação do advogado junto ao Poder Público, visando a orientação e
controle do exercício da atividade estatal e a defesa jurídica do Estado em
juízo ou fora dele. Define o artigo 1º do Provimento 114/2006-CFOAB que “a
advocacia pública é exercida por advogado inscrito na OAB, que ocupe cargo ou
emprego público ou de direção de órgão jurídico público, em atividade de
representação judicial, de consultoria ou de orientação judicial e defesa dos
necessitados”.
Para o exercício da
advocacia, os profissionais que integram a Advocacia-Geral da União, a
Defensoria Pública, as Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos estados, do
Distrito Federal, dos municípios, e respectivas autarquias públicas, autarquias
e fundações, são obrigados à inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e estão
sujeitas, também, às normas previstas no Estatuto, no Regulamento e no Código
de Ética. Segue jurisprudência da OAB nesse sentido:
“Exercem atividade de
advocacia, sujeitando-se ao regime do Estatuto da OAB, além do regime próprio a
que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União. A postulação
perante órgão judiciário e as funções de direção, assessoria e consultoria
jurídicas configuram atividade própria de advogado, que integra o tripé da
administração da Justiça, ao lado do magistrado e do membro do Ministério
Público. Inteligência compreensiva do artigo 133, da Constituição Federal.”
(Conselho Federal, Pleno, Proc. CP n. 3.739/93, Ac. CP n. 06/93, Rel. Cons.
Paulo Luiz Neto Lôbo – Jornal do Conselho Federal, OAB, n. 35, p. 14, jan./fev.
1994) – grifo nosso.
A advocacia, seja pública ou
exercida por profissional liberal, tem como finalidade a defesa do interesse
público e está associada ao atendimento de encargos coletivos e de ordem social
que resultem de forma efetiva no acesso à justiça. Ou seja, ao exercer as suas
atividades, o advogado o faz em atendimento de um interesse da sociedade.
Ressalta Benedito Calheiros Bonfim:
“É preciso formar
consciência de que a advocacia é atividade político-jurídica, possui múnus
público, conteúdo ético, político e social, constitui uma forma de participação,
de inserção da comunidade, de opção de justiça, de luta pelo direito e pela
liberdade, de tutela dos interesses da sociedade, de defesa dos valores
jurídicos e princípios fundamentais dos direitos dos homens e da dignidade do
trabalho”[7].
Faz-se necessário um novo
olhar sobre o conceito do múnus público atribuído à advocacia, dada a sua
importância no mundo jurídico. Em que pese ser de conhecimento geral que múnus
quer dizer “encargo, emprego ou função”, no conceito dado por Paulo Lôbo “múnus
público é o encargo a que se não pode fugir, dada as circunstâncias, no
interesse social”[8], a doutrina é tímida quanto ao assunto.
Muito mais que “encargo,
emprego ou função”, que obriga o advogado a “observar os princípios da ética
profissional; a exercer a profissão com zelo, probidade, dedicação e espírito
cívico; a aceitar e exercer, com desvelo, os encargos cometidos pela Ordem dos
Advogados, pela Assistência Judiciária ou pelos juízes competentes”[9], o múnus
público atribuído à profissão do advogado empresta uma densidade
valorativa que o desloca do significado comum do termo, com uma dimensão
constitucional de indispensabilidade que o projeta e vincula diretamente à
efetivação dos direitos, princípios e postulados contidos no núcleo pétreo da
Constituição da República. A luta pela justiça está intrínseca em cada ato do
exercício da advocacia, focado na defesa da cidadania, da liberdade e da
democracia, colocando o advogado como protagonista indispensável da prestação
jurisdicional.
Daí
a motivação e inspiração para a assertiva “advogado valorizado, cidadão
respeitado.
Toda advocacia, por
essência, é pública, em razão da função social que o advogado exerce. Não é a
natureza da personalidade jurídica do constituinte ou empregador que torna a
advocacia pública ou privada. Essa classificação não existe. A adjetivação de
advocacia pública ou liberal é apenas uma identificação quanto ao exercício da
atividade, sem nenhuma qualificação ou classificação. O cliente, se ente
público ou não, não tem o condão de diferenciar ou imprimir maior importância
ao advogado que o representa. A advocacia é una, e o seu exercício tem como
finalidade maior garantir, de forma ampla e irrestrita, o efetivo acesso à
justiça.
Nesse quadrante de
contextualização, o respeito e fortalecimento ao conjunto de normas que
instrumentalizam o exercício da advocacia, em especial as contidas nos artigos
6º e 7º da Lei de 8.906/94 — Estatuto da Advocacia e da OAB, pela dimensão de
seu múnus público, não significa nenhum privilégio para o advogado, mas,
essencialmente, um respeito ao cidadão e aos interesses da sociedade.
Fonte: Informativo Eletrônico OAB/Federal - 5ª feira, 18/09/14.
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