A segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta terça-feira (20) que gestantes e mães de crianças de até 12 anos presas preventivamente podem cumprir prisão domiciliar. A decisão inclui ainda as adolescentes apreendidas pela Justiça e as mães de filhos com deficiência.
Depois que a decisão for publicada, os tribunais terão 60 dias para cumprir a determinação do STF, que vai atingir ao menos 4.500 detentas. O número representa até 10% do total de mulheres presas no país cerca de 42.355, segundo dados do último Infopen (Levantamento de Informações Penitenciárias), do Ministério da Justiça.
A decisão não atinge presas condenadas pela Justiça.
Na prática, os ministros deram força ao artigo 318 do CPP (Código de Processo Penal). O texto diz que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando a detenta for gestante ou mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos, entre outros casos.
A exceção valerá para os casos dos crimes com violência ou grave ameaça, contra os filhos ou, ainda, em situações "excepcionalíssimas". O juiz terá que fundamentar a negativa e comunicar o Supremo sobre sua decisão.
Os magistrados determinaram ainda que os presidentes dos tribunais estaduais e federais devem informar dentro de 30 dias as informações sobre as prisões de gestantes e mães de crianças.
Atualmente, não há dados precisos de quantas mulheres presas estejam nessa condição. Levantamento feito pelo IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), em conjunto com outras entidades, no entanto, apontou ao menos 4.560 mulheres presas grávidas ou com filhos até 12 anos, com base em dados de 22 Estados.
Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) também apontam ao menos 622 mulheres grávidas ou amamentando seus filhos em prisões --entre os Estados, São Paulo tem o maior número, com 235 mulheres nesta situação.
A decisão na segunda turma foi tomada por quatro dos cinco ministros que fazem parte do colegiado: Ricardo Lewandowski (relator da ação), Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
"Temos mais de 2 mil pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere", disse Lewandowski.
Já o ministro Edson Fachin defendeu que o juiz deve analisar cada caso de mulher gestante ou mãe presa preventivamente. Ou seja, que a questão da prisão domiciliar deve continuar como é hoje.
Para a PGR (Procuradoria-Geral da República), o habeas corpus nem sequer deveria ser julgado, porque cada presa pode ter uma situação bem diferenciada das demais, "seja em relação aos requisitos da prisão preventiva, seja pela inviabilidade da concessão do benefício."
DIREITOS HUMANOS
Lewandowski citou em seu voto dados do Infopen: a população absoluta de mulheres encarceradas no sistema penitenciário cresceu 567% entre os 2000 e 2014, mais do que os 220% da população masculina. O magistrado destacou que 89% das mulheres presas têm entre 18 e 45 anos.
Ainda assim, os presídios femininos não possuem estrutura para abrigar as mães: apenas 34% dispõem de cela ou dormitório adequado para gestantes, 32% dispõem de berçário ou centro de referência materno infantil e 5% têm creche. Nas penitenciárias mistas, os dados são 6%, 3% e zero, respectivamente, afirmou.
Ele destacou que a Lei de Execução Penal prevê acompanhamento médico à mulher, "principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido", entre outras determinações que não estão sendo seguidas pelo sistema penitenciário.
Para o colega Celso de Mello, o STF deve colocar as detentas "a salvo de todas as formas de opressão e violência."
O caso chegou ao STF por meio de um habeas corpus coletivo impetrado em maio do ano passado pelo CADHu (Coletivo de Advogados em Direitos Humanos).
O grupo foi ao Supremo após uma ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) conceder um habeas corpus a Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, permitindo que ela cumprisse prisão domiciliar após ser condenada em um desdobramento da Lava Jato no Rio. Adriana tem dois filhos, de 11 e 15 anos.
A medida, que passou a ser possível após a lei do Marco Legal da Primeira Infância, de 2016, abriu uma polêmica sobre os motivos pelos quais outras mulheres presas e com filhos não obtinham o mesmo benefício.
POLÊMICA
Entre os argumentos apresentados para estender a possibilidade de prisão domiciliar a todas as mulheres, estão a má condição das prisões brasileiras e o fato de ter ainda 30% das mulheres em prisão preventiva ou seja, que nem sequer foram julgadas e muito menos condenadas.
Para o Coletivo, "a precariedade das instalações prisionais, sua inadequação às necessidades femininas e a desatenção às condições de exercício de direitos reprodutivos" caracterizam "tratamento desumano, cruel e degradante."
"Cárcere é local de sífilis, tuberculose, abuso. O inferno piorado para mulher grávida", disse no STF a advogada Eloisa Machado de Almeida, uma das autoras do pedido de habeas corpus.
Ainda segundo os advogados, o alto índice de mulheres presas é "produto de uma política criminal que recorre à prisão como principal resposta estatal ao conflito com a lei e abusa de sua modalidade preventiva."
Já o Ministério Público Federal, em manifestação enviada ao Supremo, alegou que a mudança de prisão preventiva para domiciliar não poderia ser aplicada a todas as mulheres "de forma tão ampla". Entre os motivos, a Procuradoria aponta o risco de que, em alguns casos, as crianças possam ser utilizadas pelas mães para cometer crimes ou que a maternidade seja buscada "apenas para garantir a prisão domiciliar".
Nos últimos dias, a polêmica voltou à tona com a história de Jéssica Monteiro, 24, que ficou presa junto com o filho recém-nascido em uma cela no 8º DP (Brás), em São Paulo, após ser acusada de tráfico de drogas.
A jovem, que não tinha passagem pela polícia, entrou em trabalho de parto na cadeia um dia após ser presa, em 11 de fevereiro. Inicialmente, a Justiça negou em primeira instância que ela cumprisse a pena em prisão domiciliar. Com a repercussão do caso, no entanto, Jéssica foi libertada.
Para Guilherme Carnellós, diretor do IBDDD (Instituto Brasileiro de Direito de Defesa de Direitos), a decisão do STF é "paradigmática" ao determinar que a lei seja cumprida. "É, sem dúvida, um avanço do Brasil em honrar o compromisso intencional que assumiu com a ONU, afirmou.
'TORTURA'
Um relatório anexado ao processo no STF e assinado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, relata uma série de violações vividas por mulheres gestantes e com filhos nas prisões.
Entre os casos narrados, os quais apresentam "fortes indícios de tortura" e tratamentos degradantes, está o de uma adolescente grávida de três meses que passou quatro dias na delegacia da cidade em uma cela masculina, com homens adultos. Ao chegar na unidade socioeducativa, foi isolada na área chamada de "reflexão". Atendida por um médico, não foi examinada nem recebeu os remédios que precisava.
Durante a inspeção, a equipe também constatou que havia no local "severa restrição de água para beber e higiene", e "todas as adolescentes relataram muita fome".
Em outro caso, uma mulher presa em gestação avançada relatou que sofria "golpes, ameaças e procedimento de molhá-la com mangueira na cela, durante a noite".
O relatório, entregue à DPU (Defensoria Pública da União), relata ainda casos de grávidas obrigadas a dormirem no chão, sem colchões, com acesso a remédios vencidos e até mesmo algemadas durante o trabalho de parto, "desde a saída da cela até o hospital". Traz ainda casos de presas que deram à luz em cima de sacos de lixo ou no corredor da ala devido à demora das equipes de segurança em atender o chamado.
Para o ministério, a situação aponta "inadequação do sistema prisional e socioeducativo quanto à privação de liberdade de mulheres e adolescentes gestantes e com filhos.
Qual foi a decisão?
A segunda turma do STF decidiu que gestantes e mães de crianças de até 12 anos presas preventivamente podem cumprir prisão domiciliar. A decisão inclui ainda adolescentes apreendidas pela Justiça e as mães de filhos com deficiência.
A exceção valerá para os casos dos crimes com violência ou grave ameaça, contra os filhos ou, ainda, em situações excepcionalíssimas. O juiz terá que fundamentar a negativa e comunicar o Supremo sobre sua decisão.
O que gerou a ação?
A ação foi protocolada em maio de 2017, pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, em favor de todas as mulheres em prisão preventiva grávidas ou com filhos de até 12 anos
Quais eram os argumentos da defesa?
O principal é que a gestação dentro do cárcere pode impor riscos à saúde da mãe e da criança, devido à falta de acompanhamento e espaços adequados, além do maior risco de doenças.
Para isso, citam várias leis e tratados aos quais o Brasil está submetido, como o Marco Legal da Primeira Infância (que prevê a possibilidade de substituir a prisão preventiva por domiciliar nestes casos)
Quais eram os argumentos de quem é contra?
Para o MPF (Ministério Público Federal), não é possível conceder um habeas corpus de forma tão ampla. Entre os motivos, está o risco de que, em alguns casos, as crianças possam ser utilizadas pelas mães para cometer crimes ou que a maternidade seja buscada apenas para garantir a prisão domiciliar
A decisão pode atingir quantas mulheres presas?
Hoje, não há um número exato das mulheres em prisão provisória que estejam grávidas ou com filhos de até 12 anos. Segundo levantamento do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) e Pastoral Carcerária Nacional, há ao menos 4.560 mulheres nesta situação, o equivalente a 10% das mulheres presas no país. Já o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apontou, em levantamento recente, que o Brasil tem 622 mulheres presas grávidas ou amamentando seus filhos.
Como votaram os ministros?
A decisão na segunda turma foi tomada por quatro dos ministros que fazem parte do colegiado: Ricardo Lewandowski (relator da ação), Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Já o ministro Edson Fachin defendeu que o juiz deve analisar cada caso de mulher gestante ou mãe presa preventivamente. Ou seja, que a questão da prisão domiciliar deveria continuar como é hoje
O que deve ocorrer após a decisão?
Os magistrados determinaram ainda que os presidentes dos tribunais estaduais e federais devem informar dentro de 30 dias as informações sobre as prisões de gestantes e mães de crianças
Fonte: Habeas Corpus nº 143.641/SP, IBCCRIM, CNJ, STF
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO
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