A corte julgou nesta quarta (29) uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) ajuizada pela CNTM (Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos) contra trecho da reforma trabalhista que diz que, para a gestante ser afastada de atividades de insalubridade média ou mínima, é preciso “apresentar atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”.
Para as lactantes, a regra agora invalidada era mais permissiva do que para as grávidas —o afastamento de qualquer atividade insalubre (não apenas das de grau médio ou mínimo) dependia de apresentação de atestado médico.
Esse foi o primeiro ponto da reforma trabalhista derrubado pelo Supremo. Outro aspecto já analisado pelo plenário foi o fim da contribuição sindical obrigatória, que foi mantido por 6 votos a 3 em junho do ano passado.
Há ainda quatro pontos da reforma que aguardam manifestação do Supremo: trabalho intermitente, gratuidade da Justiça, teto para pagamento de indenizações trabalhistas e correção monetária das ações judiciais pela TR (taxa referencial).
O próximo dispositivo que terá sua constitucionalidade apreciada pelo Supremo será o contrato de trabalho intermitente, que passou a ser possível com a reforma. Nesse tipo de contrato não há jornada fixa regular e o profissional é chamado de acordo com a necessidade do empregador. O julgamento está previsto para 12 de junho.
Para a CNTM, a exigência de apresentar atestado médico violou dispositivos constitucionais sobre a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a proteção à maternidade, à gestante e ao recém-nascido.
Em 30 de abril, o relator da ação, ministro Alexandre de Moraes,
já havia suspendido a nova norma, que entrou em vigor em 2017, no governo Michel Temer (MDB),
alterando a CLT. Nesta quarta, o plenário do STF referendou a decisão liminar de Moraes e declarou inconstitucional esse ponto da reforma trabalhista.
Moraes afirmou, em seu voto, que o artigo 6º da Constituição garante a proteção à maternidade, que é a origem de inúmeros outros direitos. “A proteção da mulher grávida ou da lactante em relação ao trabalho insalubre caracteriza-se como importante direito instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança”, disse.
“A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou, às vezes, a própria negligência da gestante ou lactante em juntar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido.”
Segundo Moraes, a gestante deve ser realocada pelo empregador em outra função ou, na impossibilidade, tirar licença. “Qual a pressão que ela sofrerá para não apresentar esse atestado? É uma norma absolutamente irrazoável”, disse.
Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli acompanharam o voto de Moraes.
A ministra Rosa acrescentou que o Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado no país em 1992, que reconhece o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis que assegurem, entre outros pontos, a segurança no trabalho.
Para Rosa, essa mudança na CLT foi um “inegável retrocesso social”.
Lewandowski também considerou a nova norma uma “infração ao princípio da vedação do retrocesso”. O ministro Fux disse que ela desfavorece a proteção constitucional porque sujeita as trabalhadoras a um maior embaraço para garantir seus direitos.
Somente o ministro Marco Aurélio divergiu. “A mulher precisa ser tutelada além do que se mostra razoável? Ela dever ter liberdade, e liberdade em sentido maior”, argumentou. Para ele, com o entendimento do plenário, a reforma trabalhista “começa a fazer água”.
Para a advogada Manuela Tavares, sócia do escritório Siqueira Castro, a decisão não tem grande impacto na rotina das empresas
"A maior parte das companhias já afastam as funcionárias gestantes de funções com insalubridade para evitar judicialização", diz. A decisão do STF, porém, é um avanço, segundo ela.
"Muitas empregadas grávidas poderiam ficar receosas de pedir um atestado médico. A exigência nesses casos era um retrocesso. Na prática, se a empresa não tem responsabilidade social, poderia permitir que elas trabalhassem em local insalubre."
"O texto da reforma não deixava as mulheres desatendidas porque você tinha a proteção do atestado médico, mas a decisão visa a proteção do feto. Se temos essa percepção de que as empregadas deveriam ser pressionadas a trabalharem, é uma decisão positiva", diz Rodrigo Takano, sócio do Machado Meyer.
"A regra que caiu tinha lados positivos, porque uma restrição completa [que não diferencia os diferentes graus de insalubridade] pode estimular discriminação contra as mulheres gestantes. Por outro lado, o acesso a médicos não é uma realidade em todo o país", afirma Isabella Magano, do escritório Pipek.
A solução mais equilibrada, segundo ela, teria sido a dada pelo governo Temer em
uma MP (medida provisória) em novembro de 2017, que buscava sanar esse ponto polêmico da reforma.
O texto determinava que a gestante e a lactante seriam afastadas, enquanto durasse a gestação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, ficando sem receber o adicional de insalubridade.
Se o trabalho tivesse graus de insalubridade mínimo ou médio, a funcionária poderia apresentar atestado médico que a permitisse trabalhar. A MP, porém, não foi votada a tempo pelo Congresso e caducou sem ter sido convertida em lei.
Fonte: Folha On Line