A empregada doméstica Luzia Aparecida da Silva, 46, entrou na Justiça em 2011 para que os filhos, Matson, hoje com 21 anos, e Mateus, 18, recebessem pensões atrasadas do seu ex-marido. Seis anos depois, em março deste ano, foi a uma agência do Banco do Brasil com uma decisão que reconhecia seu direito a receber R$ 6.419,33, mas saiu sem nada.
Muitos mineiros têm enfrentado a mesma situação. A estimativa hoje é que existam 8.000 casos similares ao de Luzia, que, juntos, somam um total de R$ 120 milhões a receber. A verba é referente a pensões, indenizações, tratamentos médicos e heranças, por exemplo.
No fim do ano passado, o Banco do Brasil, administrador do fundo de depósitos judiciais, notificou o governo de Minas Gerais para repor cerca de R$ 1,5 bilhão da reserva, que é usada pelo Estado e, segundo a instituição financeira, havia sido zerada.
Os depósitos judiciais são valores em disputa em ações na Justiça e que ficam guardados no banco até que uma das partes vença o processo e retire o dinheiro.
O governo de Minas, no entanto, contesta os cálculos do Banco do Brasil e afirma que ainda há saldo no fundo.
Uma ação de prestação de contas está em curso na Justiça estadual. As partes aguardam ainda uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre quem deve pagar essa conta.
O imbróglio teve início em julho de 2015, quando foi aprovada uma lei estadual que permitiu ao governo de Minas gastar até 75% dos depósitos judiciais de processos em que estava envolvido e também de processos de terceiros. Com o Estado em crise financeira, o governador Fernando Pimentel (PT) usou R$ 4,9 bilhões dessa verba para fechar o Orçamento.
Em outubro daquele ano, porém, o STF determinou que a lei fosse suspensa, pois entrava em conflito com outra lei federal que autoriza os Estados a utilizar até 70% dos depósitos judiciais dos quais são parte.
O caso ainda tramita no Supremo, que irá analisar a constitucionalidade da legislação mineira.
Os depósitos judiciais efetuados após outubro de 2015 estão sendo pagos. No caso de Luzia, o depósito foi feito em 2014. Levou três anos para que a Justiça calculasse o valor exato e autorizasse o saque.
No banco, ao tentar sacar os valores autorizados pela Justiça, ela recebeu o recado: "Atenção: este depósito foi repassado ao Estado por força da lei estadual 21.720/2015 e ao fundo de reserva garantidor. O saldo ora apresentado é escritural e não representa o valor existente na conta. O resgate pode ser prejudicado por insuficiência no fundo de reserva".
"Fiquei muito decepcionada. O governo pegou emprestado sem me pedir", diz Luzia ao relatar seu caso. "Me dá vontade de encontrar o [governador] Pimentel cara a cara para perguntar se quando ele aprovou essa lei passava pela mente dele que ele ia tirar um dinheiro de quem precisa. O que os pobres têm a ver com a dívida dele?".
HONORÁRIOS
Advogados e peritos também estão sem receber honorários relativos a processos cujos depósitos judiciais foram feitos antes de outubro de 2015. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vai pedir ao Ministério Público Federal que apure se houve crime de responsabilidade por parte do governo de Minas.
No dia 19 deste mês, dirigentes da OAB-MG estiveram com o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, relator do caso, pedindo que ele aponte quem deve arcar com os pagamentos, ainda que de maneira emergencial.
"Deixamos claro para ele que essa situação do confisco dos valores é absurda e está com consequências gravíssimas", disse Sérgio Leonardo, diretor-tesoureiro da OAB-MG.
A entidade criou um canal de ouvidoria para que advogados registrem pagamentos pendentes —já são mais de 1.400, que somam mais de R$ 6,8 milhões.
"Esse dinheiro é de particulares, não é do governo", afirma a advogada Ana Maria de Melo Pinheiro, que defende Luzia. "Um pai vai preso se não paga pensão, mas o governo pode confiscar? E os filhos ficam sem pensão da mesma forma. É o fim do Estado de Direito. É uma ingerência do Executivo no Judiciário."
O escritório dos peritos Sarah, 44, e Daniel Barbosa, 43, está faturando 60% menos e o casal teve que tomar empréstimos.
"É a nossa única fonte de renda. Estamos vivendo com a incerteza de saber quando vamos receber. É angustiante", diz Sarah.
Para o advogado-geral do Estado de Minas, Onofre Batista, a situação chegou a um limite. "Como Minas pode assumir essa conta se, de repente, é dever do banco?" Batista cogita, porém, que o Estado cubra as verbas alimentares caso a decisão do STF demore.
O Banco do Brasil afirmou que a obrigatoriedade de recompor o fundo cabe ao Estado de Minas Gerais e que presta contas regularmente sobre a movimentação no fundo.
FONTE: FOLHA